Meniá

Marteladas, música alta, alarmes: quando constantes, fazem mal à saúde?

30 de agosto de 2021

Atenção: seu vizinho pode ser um torturador! Não que ele cometa atrocidades com alguém mantido em cativeiro. A vítima pode ser você, que mesmo em total segurança dentro de sua casa não suporta mais a "agressão" psicológica que ele vem provocando sem se importar. De que forma? Com a obra que nunca termina, com o cachorro que ele deixa o dia inteiro trancado enquanto trabalha, ou com o alarme do carro que dispara toda madrugada e ele nunca desliga.

"Os efeitos produzidos se assemelham aos de uma verdadeira tortura", informa Gabriela Malzyner, psicóloga, psicanalista e professora do curso de formação em psicanálise do CEP (Centro de Estudos Psicanalíticos) e do Meniá Centro de Prevenção, em São Paulo.

É considerada uma "violência" quando ocorre sempre em uma relação desigual, em que o agente exerce "domínio" sobre o outro, sujeitando-o a um sofrimento contínuo, sem chance direta de se defender e, por vezes, intencional. Não é exagero dizer que mesmo música alheia ouvida por horas e horas seguidas contra vontade seja "tortura". Canções do Barney e Seus Amigos, Vila Sésamo e Mettalica, por exemplo, já foram usadas com esse fim em prisões.

"Tortura" que reverbera no físico


Em 2003, a BBC britânica denunciou que interrogadores dos Estados Unidos estavam usando heavy metal e músicas infantis, culturalmente ofensivas no Iraque, para desestabilizar seus prisioneiros. O até então sargento Mark Hadsell relatou: "Eles não aguentam. Se você tocar por 24 horas, seu cérebro e funções corporais começam a falhar, sua linha de pensamento fica mais lenta e sua força de vontade é quebrada. É quando entramos e falamos com eles".

De volta à nossa realidade, não seria diferente com os barulhos, tremores e ruídos provocados pela vizinhança por horas e dias consecutivos. Pode não chegar ao sofrimento extremo de um refém de guerra, mas o estresse, a ansiedade e angústia disparam e até pioram se não há tranquilidade, principalmente para trabalhar e com segmentos que exigem concentração e leitura, e períodos de silêncio e paz necessários para aproveitar o lazer, fazer as refeições com foco.

Barulhos que se repetem por horas prejudicam ainda o sono e podem levar à insônia. "E, ao dormir menos, o corpo começa a ter sintomas como cansaço, falha de memória, lentificação de pensamento e aprendizado, desatenção, irritabilidade. No longo prazo, há também consequências cardiológicas e predisposição elevada para transtornos de ansiedade e depressão crônica", alerta Júlio Barbosa Pereira, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião.

Para alguns, o tormento é ainda pior


Quem já sofre de pressão arterial elevada, enxaqueca, angina de repouso, hipersensibilidade auditiva, gastrite, faz uso de medicamentos que contraem os vasos sanguíneos ou apresenta transtornos como o TDAH (do déficit de atenção com hiperatividade), TEA (do espectro do autismo), TBH (bipolar do humor), TEI (explosivo intermitente) tem uma sensibilidade maior a estímulos ambientais excessivos. Idosos incapacitados, com Alzheimer, também e perdem o controle.

Doentes descompensados podem infartar, ter AVC, e depressivos graves têm tendência a se suicidar. "Mas vale procurar ajuda médica mesmo quando qualquer fator externo ocasionar, por menor que seja, perda de foco frequente e prejuízo de produtividade, o que não tem a ver necessariamente com uma irritação", indica Yuri Busin, psicólogo, doutor em neurociência do comportamento e diretor do Casme (Centro de Atenção à Saúde Mental), em São Paulo.

De modo geral, quase sempre há por trás desses sintomas uma ou mais fontes perturbadoras (trânsito, obras, alarmes) agindo junto com os problemas rotineiros, mas de forma específica. Por exemplo, enquanto os volumes acima de 65 decibéis (equivalentes a latidos fortes de cachorro) alteram os níveis hormonais e a imunidade e de 85 decibéis em diante causam perda auditiva, as vibrações contínuas no corpo afetam os sistemas circulatório, digestivo e motor.

Não abafe estímulos, resolva-os


Para não ser atingido pelo que vem de fora e foge ao nosso controle é preciso, nas palavras de Busin, "trabalhar o desligamento de um estímulo e acionar o que realmente importa". Isso significa que colocar música alta, no limite de 90 a 120 decibéis, para disfarçar o barulho de uma avenida movimentada ou um show particular na casa do vizinho não resolve, como ainda agrava o problema, que é sobreposto por mais estímulos que podem lesionar os tímpanos.

"Sugiro fazer exercícios mentais de foco, técnicas de meditação mindfulness para se entregar totalmente ao que busca executar e procurar um psicólogo/psiquiatra caso não se obtenha resultados, ou haja suspeita de algum transtorno e não consiga impedir irritação e ansiedade", acrescenta o diretor do Casme. Nesse contexto, também vale procurar ajuda se outras pessoas do seu convívio não se queixarem do mesmo barulho, sendo mais comuns os ruídos de goteira, vento, relógio.

Agora, quando a situação, em uníssono, é sentida com grande desconforto, se faz necessário tomar outras providências, mais duras. Se o uso de protetores auriculares não adiantar e você se sentir prejudicado por vizinhos, instale aplicativos medidores de decibéis e vibrações no seu celular para constatar os abusos, junte outras provas e denuncie ao síndico e/ou pelo 156. Não resolvendo, pode ser que tenha de travar uma batalha judicial ou considerar uma mudança.

Acesse o link do Portal UOL/VivaBem: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2021/08/30/marteladas-musica-alta-alarmes-quando-constantes-fazem-mal-a-saude.htm

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